terça-feira, 15 de junho de 2021

MANTRAS

          Algumas frases, como algumas palavras, muitas vezes perdem seu sentido literal quando, em conjunturas especificas, são usadas para fins inespecíficos.           

 

    Quero aqui me referir a um novo mantra que algumas pessoas têm repetido sistematicamente: o tal do "#VAI DAR CERTO". É óbvio que a frase em si, interpretada literalmente, traz uma mensagem de otimismo que todos nós precisamos, principalmente nesse momento de pandemia, para nos animar. Há, entretanto, cuidados necessários para interpretar essa frase. 

 

        Primeiro, é necessário entender que só a repetição da frase como um mantra não muda nada, não soma nada, não resolve nada; é preciso desenvolvermos ações em prol do que achamos deve ser o certo para, conjugado com a frase, termos a perspectiva da melhoria que justificará o otimismo.

 

        Além disso, é necessário atentarmos que a frase, no contexto atual, se converte em uma ferramenta de persuasão, ou talvez de doutrinação. Alguns podem até estampar a frase nas fachadas de suas lojas, nos vidros de seus carros ou em suas camisas no sentido de transmitir uma mensagem de otimismo, mas muitos já têm a consciência de que essa frase está transmitindo uma mensagem política, para claramente demarcar seu lado nessa polarização.

 

        Lembro aqui, de outro mantra que, na minha infância, com igual dicotomia, soava romântica e patriótica, mas que mais tarde descobri o quanto de maldade havia por trás dela: "BRASIL, AME-O OU DEIXE-O".

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

"QUER VOAR O MESMO TANTO?"

Artigo publicado no MANDACARU - informativo da associação 
dos economiários do Ceará, edição de abril de 1983.
Não me lembro se foi promoção da prefeitura ou iniciativa popular; só me lembro que anunciaram pela televisão que um grupo de moradores da Praia de Iracema estava a colorir os muros do bairro, enchendo de graça aquela paisagem já tão encantadora.

Nas inúmeras vezes que passei por aquelas ruas, assim como quem vai para o Estoril, não me cansei de parar para apreciar o painel composto sobre aqueles muros. Era como se pudéssemos ter poesia pintada sobre paredes; pois era isso mesmo que eu sentia ao ver, assim em cores, os sentimentos de crianças e adultos, que se juntaram em um dia único na história da nossa Praia de Iracema para encher aqueles muros de gravuras e versos; dos quais, entre tantos outros, lembro-me claramente de um enorme peixe, de um trapezista azul, de uma janela aberta para o mar e do verso, que sempre me dava arrepios ao lê-lo, "QUER VOAR O MESMO TANTO?", de autores que nunca ousaram assinar, por pura modéstia.

Qual não foi meu espanto, quando passando por aquelas mesmas ruas, já diminuindo a marcha do carro, preparando-me para apreciar mais uma vez aquele arsenal de poesia, vi, embora custasse a acreditar, que alguém, talvez não tão anonimamente, mandara caiar os muros, apagando por completo tantas obras primas.

Fico a pensar que motivos levariam homens a destruir tamanho patrimônio público, que direitos lhes eram dados para tanto, que justificativas - inaceitáveis - nos dariam. Sei que os muros pertenciam a alguém, mas a poesia não. A arte não tem dono e, no entanto, alguém se apossa dela para destruir. Desse modo fica difícil voar; nem que seja um tantinho assim.

domingo, 5 de janeiro de 2020

EU ESTUDEI NO INSTITUTO NÓBREGA


Naquele sábado à tarde revi minha infância nos olhos dos meus amigos. Foi em um encontro de colegas de colégio de há quase meio século. Não sei como funciona isso na cabeça de vocês, mas a minha novamente se impregnou da atmosfera que só aquela escola podia nos propiciar.
Verdade é que não temos mais as mesmas caras, os mesmos corpos e as mesmas mentes, mas com a turma quase toda ali no encontro, acompanhados da diretora e de dois professores, juntos, parecia tudo muito igual. Alguém até lamentou porque as coisas mudaram com o tempo; eu também tenho saudade de muitas daquelas coisas boas, mas não lamento que tenham mudado, ao contrário, regozijo-me por ter vivido aqueles momentos para poder lembrar deles agora.
Hoje tenho consciência que aqueles não eram tempos fáceis, só depois entendi porque alguns alunos tiveram que se transferir daquela escola para escolas públicas e daí veio o reconhecimento do esforço que meus pais fizeram para me manter lá. Certo dia, tive oportunidade de dizer a eles como eu fora privilegiado pela educação que eles haviam me proporcionado.
 No instituto Nóbrega sorvi todas as sementes que polinizavam naquela atmosfera de desafio e de acolhimento, de austeridade e de generosidade, de medo e de coragem, de vigilância e liberdade; cultivei o desejo de que houvesse “livros e mais livros no mundo” porque lá aprendi que os livros eram as fermentas para igualar as pessoas e se hoje tenho a consciência de que o desenvolvimento social só é possível por meio da educação - “para os olhos dos povos abrir” - é porque sei que “a treva é um mal tão profundo que estrangula a esperança e o porvir”.
No sábado revi minha infância pelos olhos daqueles amigos e consolidei a certeza de que hoje sou um adulto forjado naquela criança que merendou os cachorros quentes feitos pelo Alberto, que ouviu os conselhos da austera Dona Ione, que se apaixonou pela língua portuguesa nas aulas  da Dona Zilma e da Dona Mirtô, que  entendeu matemática com a Dona Selma, que encantou-se por Estudos Sociais com o Professor Nogueira e com a Professora Ângela, que internalizou as ciências com o Professor Roberval, que se arriscou nas artes com o Professor Renato, que descobriu outro idioma com o Professor Haroldo, que debateu moral e cívica com a Professora Rocicler e que aprendeu tanto mais com outros que até posso não lembrar os nomes, mas que certamente participaram dessa construção, porque eu estudei no Instituto Nóbrega.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Política de Integridade da Gestão



 Artigo publicado no jornal O POVO em 29/08/2017.

“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes”. Os versos de Fernando Pessoa nos remetem ao termo integridade, que, por sua vez, remete ao conceito de caráter, quando observamos o indivíduo, e de ética, quando observamos a sociedade.

Quando observamos a administração pública, o termo integridade absorve, obrigatoriamente, os conceitos de ética e de caráter, mas deve ir além. Não é suficiente termos gestores de bom caráter e corporações éticas. A integridade na gestão requer, além disso, planejamento, ação, controle e avaliação voltados para a entrega de serviços públicos na qualidade esperada pela sociedade.

Para uma adequada governança, não podemos prescindir de um conjunto de mecanismo de gestão que, integrados, permitam alcançar os resultados esperados sem perder de vista a conformidade dos atos. Nesse contexto, é necessário, também, compreender que a governança não se faz apenas nos níveis superiores ou em instâncias centrais de comando. É necessário permear toda a estrutura corporativa com tais mecanismos de gestão, que devem alcançar do mais simples operador do processo ao maior tomador de decisões.

No Programa de Fortalecimento do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo do Estado do Ceará, cuja implantação foi iniciada neste segundo semestre de 2017, há um destaque especial para o Projeto de Política de Integridade. A ideia inicial é estabelecer uma cultura de controle voltada para o resultado, que integre os vários mecanismos de gestão já disponíveis no Governo e outros que estão sendo desenvolvidos e que, fundamentalmente, possa ser exercida em todos os níveis de governança.

Usando o conceito difundido pelo Instituto de Auditores Internos, o projeto busca estabelecer as três linhas de defesa da gestão, especificando que a primeira linha de defesa está posta no nível de execução dos programas; a segunda linha no nível gerencial de cada órgão e a terceira linha no Órgão Central de Controle Interno, criando uma cadeia integrada de controle sobre a execução das políticas públicas.

terça-feira, 30 de maio de 2017

CONTROLE DA TRANSPARÊNCIA

Artigo Publicado no Jornal OPOVO em 20/05/2017
Na Secção CONFRONTO DE IDEIAS em resposta à pergunta: 
"A criação de um órgão independente é fundamental para a prática da transparência?¨
NÃO. 
A garantia de acesso a informações públicas pelos cidadãos brasileiros está amplamente regulamentada no ordenamento jurídico nacional. Desde a promulgação da Constituição de 1988, várias leis foram criadas para disciplinar esse processo e, nesse sentido, o exercício da “transparência” na gestão pública é, além de um dever cívico, uma obrigação legal.


Sabemos, entretanto, que mesmo assim, muitos gestores não têm exercitado esse dever de forma adequada. Por esse motivo, há de se pensar que a resposta para essa pergunta deveria ser SIM.


Não obstante, penso que a criação de um novo órgão nada acrescentaria ao aparato disponível no País. Varias instituições hoje existentes já têm entre suas competências o poder de exercer essa fiscalização.


Em âmbito nacional, o Ministério Público Federal e o Ministério da Transparência, por exemplo, já fazem avaliações dos dispositivos de transparência ofertados pelos estados e municípios, atribuindo notas considerando o grau de institucionalização e o próprio desempenho na disponibilização das informações.


Em âmbito local, os Tribunais de Contas e o Ministério Público nos Estados, também tem exercido essa vigília, emitindo recomendações e determinações de melhoria para os Portais de Transparência e para os Sistemas de Informação ao Cidadão.


Soma-se ao trabalho dos órgãos oficiais, o trabalho de instituições do terceiro setor vocacionadas para o controle social.


Não creio, portanto, que a questão do exercício inadequado do dever de expor as informações públicas possa ser solucionada com a criação de mais um órgão oficialmente estruturado. Entendo que é hora de fomentar maior participação da sociedade no processo de cobrança aos gestores, conscientizando os cidadãos, nos diversos segmentos sociais, sobre o direito de acesso às informações e sobre a utilidade de obtê-las e, no mesmo sentido, mostrar aos gestores públicos que mais que uma obrigação, disponibilizar informações é uma grande oportunidade para que eles se aproximem dos cidadãos.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Ouvidoria como instrumento de gestão

Artigo publicado no jornal O Povo em 14/03/2017

Muitas vezes as pessoas confundem a ouvidoria com a atividade de relações públicas ou com o serviço de atendimento ao consumidor oferecido pelas instituições. Na verdade, ouvidoria vai além dessas atividades. A Constituição do Estado do Ceará, por exemplo, estabelece a ouvidoria como uma das funções de controle da Administração Pública, consideradas essenciais ao funcionamento do Estado.

Para que a ouvidoria se estabeleça efetivamente como uma função essencial, não é suficiente que essa condição esteja prevista em lei; faz-se necessário que seja operada com o cuidado adequado para que as pessoas a compreendam como tal e a utilizem como um instrumento de cidadania.

A facilidade de acesso é um primeiro passo para credenciar esse serviço junto aos usuários. A disponibilidade de canais, a diversidade de meios e a simplicidade de manuseio são fundamentais para emprestar essa condição. Além disso, é imperativo que as manifestações sejam tratadas com tempestividade e assertividade. A credibilidade no serviço de ouvidoria faz parte de sua essência.


Uma vez instituído adequadamente o serviço de ouvidoria, a compreensão de que ele é mais do que atividade de relações públicas trará ganhos significativos para os usuários e para as instituições.


No serviço público, os usuários da ouvidoria são os cidadãos que reclamam, denunciam, sugerem e elogiam, demonstrando seu interesse em participar da administração. Esse conjunto de manifestações, se observado com acuidade pelo administrador, deve constituir base para ações de controle e planejamento.


A ouvidoria se torna, nesse contexto, instrumento de gestão. Órgãos de controle têm, em geral, quantidade limitada de auditores para identificar a forma como os recursos públicos são utilizados; mas, se aproveitadas corretamente, as manifestações de ouvidoria podem municiar as atividades de controle com informações preciosas, como se tivéssemos milhares de auditores espalhados por todo o território de abrangência dessa atividade. No mesmo sentido, uma base de manifestações bem organizada dará ao administrador insumos importantes para o planejamento das políticas públicas e das ações estratégicas, funcionando, nesse caso, como uma audiência pública permanente, pela qual o cidadão contribui efetivamente para o planejamento.

Controle Social como expressão da cidadania

  Artigo Publicado no Jornal O Povo em 17/09/2016
 
Muitas vezes algumas palavras ou expressões entram para o nosso jargão profissional ou sociocultural com a pretensão de identificar algo novo ou específico e, logo em seguida, passam a ser utilizadas aleatoriamente e perdem o significado que se pretendia atribuir. A expressão “controle social” é uma dessas que, durante muitos anos, estiveram ameaçadas de cair no lugar-comum e servir apenas à retórica de pretensos gestores públicos.

Felizmente, ao longo dos últimos anos, vários movimentos relevantes têm resgatado a expressão “controle social” para o significado original que remete ao exercício da cidadania. Esses movimentos passam pela implementação de legislação eficaz, pela difusão dos mecanismos de participação popular e pela compreensão dos governantes de que a transparência das ações públicas, mais do que uma obrigação prevista por lei, é uma oportunidade de comunicação direta com o cidadão, pela exposição do seu trabalho de forma clara, tempestiva e eficaz.

No mês de agosto, após oito anos de sua existência e quatro anos de vigência da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Portal da Transparência do Governo do Estado do Ceará alcançou a importante marca de um milhão de acessos pelos cidadãos; esse número, entre outros significados, nos leva a inferir que, a exemplo dos movimentos oficiais para valorizar a transparência nas ações públicas, os cidadãos também estão se movimentando e interessados na busca de mais informações para o adequado acompanhamento da gestão pública e desenvolvimento de consciência crítica.

O resgate da expressão “controle social” não apenas como uma expressão linguística, mas como uma expressão fática, nos conduz à percepção da instalação, ainda incipiente, mas progressiva, de uma cultura de transparência que deverá fazer parte das necessidades básicas dos cidadãos. Esse controle social, que emerge do acompanhamento das atividades da gestão pública desaguará, certamente, no maior controle social que se pode expressar: votos conscientes nos processos eleitorais.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Controle e Transparência


Artigo publicado no jornal O Povo no dia 20/06/2016


Controle e transparência são elementos essenciais para a gestão, tanto no ambiente interno do governo como externamente. Falo isso porque acredito na premissa e entendo que, ao difundi-la, estamos angariando adeptos para essa prática tão salutar de controlar os recursos públicos e expor, sem receio, o trabalho realizado. 


No dia 8 de junho, o Ministério Público Federal divulgou mais uma avaliação de Transparência, incluindo os portais da transparência dos 27 estados e 5.568 municípios brasileiros. O Governo do Ceará auferiu nota máxima, considerando os aspectos legais e as boas práticas de transparência.


Esse resultado vem se juntar às estatísticas de acesso à informação divulgadas pela Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado - CGE, em maio, quando o Portal da Transparência alcançou 144.824 visualizações, denotando o grande interesse do cidadão cearense por acompanhar as atividades do governo.


O sistema de transparência do Poder Executivo inclui o Portal da Transparência e os sistemas de Acesso a Informação e de Ouvidoria, disponibilizados de forma complementares entre si. Esse mecanismo constitui uma grande rede de difusão da informação, que é coordenada pela CGE e operada por cada um dos órgãos e entidades que compõem a estrutura estatal.


Com esse modo de operar, estamos sedimentando uma cultura de transparência em nosso Estado, conscientizado os agentes públicos para o dever de prestar a informação de forma clara, correta e tempestiva ao cidadão. Essa prática incentiva o cidadão para o exercício do controle social.


Os resultados de avaliações como essa servem de balizador para as ações de consolidação da transparência na aplicação dos recursos públicos, ao mesmo tempo que nos enche de responsabilidade para aperfeiçoarmos nossos meios de disponibilização das informações para sociedade. Assim, agentes públicos e cidadãos podem acompanhar melhor o destino desses recursos e perceberem que o controle e a transparência são elementos essenciais para a gestão.